Sampa pelas janelas

É triste andar pela cidade em que nasci e observar seu estado de deterioração crescente. Não só nos bairros mais distantes que isso se apresenta de forma gritante. 

Nas regiões, digamos assim, intermediárias e no centro da cidade deparamo-nos com jardins mal tratados, sujos e cheios de mato, pichações horrorosas (não confundindo, claro, com grafites maravilhosos em algumas localidades), as terríveis e mal planejadas e executadas ciclovias, sinalizações de trânsito mal conservadas, leito das ruas e avenidas esburacadas, sacos de lixo expostos por muito tempo antes de serem recolhidos, pobres pessoas abandonadas ao relento das ruas (a população de rua cresceu quase 100% nos últimos 15 anos – de 8706 para 15.905 pessoas, segundo o censo da prefeitura).


Isso sem falar da criminalidade, assaltos, sequestros relâmpagos que, embora tenham os menores índices do país, nos deixam amedrontados e com uma imensa sensação de insegurança.

Enfim, está um desleixo. Um desleixo do setor público com o ambiente em que vivemos. Um desleixo do paulistano que joga lixo na rua, pela janela do carro ou do ônibus indistintamente. Onde iremos parar? 

Daí pergunto: por que ocorre isso? Por que essa situação de degradação cada vez maior do espaço público da cidade? Talvez a explicação esteja na teoria das “janelas quebradas”.


Trata-se de uma teoria desenvolvida a partir de estudos da criminalidade (broken windows theory). É um modelo norte-americano de política de segurança pública no enfrentamento e combate ao crime, tendo como visão fundamental a desordem como fator de elevação dos índices da criminalidade (foi a base para a política novaiorquina de Tolerância Zero, do prefeito Giuliani, na década de 1990). Se não forem reprimidos, os pequenos delitos ou contravenções conduzem, inevitavelmente, à condutas criminosas mais graves, em vista do descaso estatal em punir os responsáveis pelos crimes menos graves.

Torna-se necessária, então, a efetiva atuação estatal no combate à criminalidade, seja ela a microcriminalidade ou a macrocriminalidade. Isso é papel de todos os níveis do Governo (municipal, estadual e federal).

A teoria consiste na analogia de que se uma janela está quebrada e não é consertada, quem passa por ali conclui que ninguém se importa com aquilo e que não há ninguém no controle. Em breve, outras janelas aparecerão quebradas, e a sensação de anarquia se espalhará do prédio para a rua, enviando a mensagem de que ali vale tudo.

Sobre a Teoria das Janelas Quebradas


A Broken Windows Theory foi divulgada em 1982, na revista norteamericana The Atlantic Monthly, em artigo intitulado Making neighborhoods Safe, de autoria do cientista político James Q. Wilson em parceria com o psicólogo criminologista George Kelling.

A experiência: dois carros idênticos, da mesma marca, modelo e cor, foram abandonados na rua. Um no Bronx, zona pobre e conflituosa de Nova York e o outro em Palo Alto, zona rica e tranquila da Califórnia. Dois carros idênticos abandonados, dois bairros com populações muito diferentes e uma equipe de especialistas em psicologia social estudando as condutas das pessoas em cada local.
O resultado: o carro abandonado no Bronx começou a ser vandalizado em poucas horas. Levaram tudo o que fosse aproveitável e aquilo que não puderam levar, destruíram. Contrariamente, o carro abandonado em Palo Alto manteve-se intacto por uma semana inteira. Entretanto, passada essa semana os pesquisadores quebraram um vidro do automóvel de Palo Alto. Logo a seguir foi desencadeado o mesmo processo ocorrido no Bronx. Roubo, violência e vandalismo reduziram o veículo à mesma situação daquele deixado no bairro pobre.
Pergunta: Por que o vidro quebrado na viatura abandonada num bairro supostamente seguro foi capaz de desencadear todo um processo delituoso?
Resposta: Evidentemente, não foi devido à pobreza. Trata-se de algo que tem a ver com a psicologia humana e com as relações sociais. Um vidro quebrado numa viatura abandonada transmite uma ideia de deterioração, de desinteresse, de despreocupação. Faz quebrar os códigos de convivência, faz supor que a lei encontra-se ausente, que naquele lugar não existem normas ou regras. Um vidro quebrado induz ao "vale-tudo". Cada novo ataque depredador reafirma e multiplica essa ideia, até que a escalada de atos cada vez piores torna-se incontrolável, desembocando numa violência irracional.
Conclusão: o delito é maior nas zonas onde o descuido, a sujeira, a desordem e o maltrato são maiores. O delito e a desordem estão conectados num elo muito mais forte do que o elo existente entre criminalidade de pobreza
Se por alguma razão racha o vidro de uma janela de um edifício e ninguém o repara, muito rapidamente estarão quebrados todos os demais. Se um prédio é pichado, com certeza os demais ao seu redor logo também estarão.
Se uma rua está suja, com grande concentração de lixo, logo vira depósito. Mesmo que esse lixo seja recolhido, logo outro será colocado no lugar.

Se uma comunidade exibe sinais de deterioração, e esse fato parece não importar a ninguém, isso fatalmente será fator de geração de delitos. Dá para enxergar a “Cracolândia” nesse quadro?

Partindo do pressuposto de que não é só a falta de meios de subsistência, de educação e de justiça que leva ao crime, a tolerância da sociedade e do estado com os pequenos delitos pode ser a maior causa.

E daí, como queremos a nossa cidade? Reflita. Comente.


Fonte: iFHC, Bakuara, Folha de S.Paulo, Blog do Raul

Comentários

Anônimo disse…
Muito interessante o texto do seu blog!
Eu não conhecia a teoria das "janelas quebradas"! Talvez seja mesmo essa a explicação pra situação horrorosa em que se encontra a nossa cidade (e muitas outras mais ...).
Que desânimo! Parece que "as coisas" estão caminhando "de marcha ré", não é mesmo? O pior é que a situação está ficando cada vez pior (em todos os sentidos que você citou), que me vem a pergunta: "Será que vai ter jeito?"

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